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A nova cara do pobre: sem trabalho
O colunista Fernando Dantas, do Broadcast, Estadão, publicou uma coluna mostrando números curiosos com base em uma pesquisa realizada com pesquisadores do Insper, uma instituição sem fins lucrativos, dedicada ao ensino e à pesquisa.
Os dados mostram que a extrema pobreza no Brasil, no ano de 2021, alcançou quase 10% da população brasileira, fazendo o Brasil recuar cerca de 14 anos no tempo.
Confira a íntegra da coluna abaixo ou clicando aqui:
“A extrema pobreza no Brasil em 2021, atingindo quase 10% da população, representou um recuo no tempo de 14 anos, para um nível próximo do prevalecente em 2007-08. Com base em pesquisa realizada com Laura Muller Machado e Laura Almeida Ramos de Abreu, o economista Ricardo Paes de Barros, conhecido como “PB”, explica que a retomada econômica recente está acontecendo com crescimento da pobreza. Os três pesquisadores são do Insper.
“Não estamos compartilhando essa prosperidade com os 5-10% mais pobres, que não estão conseguindo se engajar no mundo do trabalho”, diz PB.
Entre 2004 e 2014, período de grande queda da pobreza e de redução da desigualdade, a renda familiar per capita dos 10% mais pobres no Brasil aumentou a um ritmo de 8% ao ano, de R$ 84 para R$ 177. PB mostra que 52% desse aumento veio da renda não derivada do trabalho (basicamente transferências), que cresceu 11% ao ano em termos reais no período; e 46% da remuneração do trabalho, que teve alta média anual real de 6%.
Já no período de 2014 a 2021, a renda per capita dos 10% mais pobres quase devolveu todo o ganho de 2004-2014, caindo a um ritmo de 8% ao ano para R$ 94. Cerca de 27% dessa queda se deve a uma redução real de 4% ao ano na renda não derivada do trabalho, que são basicamente transferências.
Uma parcela de 26% do recuo da renda per capita vem do recuo de 5% ao ano da remuneração do trabalho.
Mas é nesse ponto que PB introduz uma radical mudança no perfil do pobre entre 2014 e 2021: o nível de ocupação (definido no trabalho de PB e nesta coluna sempre como os ocupados como parcela das pessoas em idade de trabalhar) entre os 10% mais pobres despencou de 36% para 18%, isto é, caiu pela metade. Isso por si só explicaria 78% da redução quase pela metade da renda per capita familiar entre 2014 e 2021. O resultado só não foi pior porque o porcentual de adultos nos domicílios dos 10% mais pobres subiu de 59% para 67% entre 2014 e 2021, compensando um pouco a queda no nível de ocupação.
“Entre os 10% mais pobres, só 18% dos adultos em idade de trabalhar trabalhavam em 2021, é uma crise de trabalho entre os pobres”. Entre os 5% mais pobres, o indicador cai para apenas 10%.
Já o nível de ocupação do Brasil como um todo teve um recuo de 59% para 53% entre 2014 e 2021.
Quando se considera a duas décadas de 2001 a 2021, a queda do nível de ocupação dos pobres revela-se ainda mais dramática: de 48% para 18% entre os 10% mais pobres, enquanto a dos brasileiros como um todo saiu de 60% para 53%.
Explicações – PB diz não saber ao certo o que levou a essa enorme redução da ocupação dos mais pobres, mas desconfia que pode estar ligada a um salário mínimo real muito alto.
“A gente pode estar começando a pagar o preço de ter um salário mínimo elevado”, ele pondera, acrescentando que entre 2001 e 2019 o salário mínimo foi aumentado quase 70% a mais que a evolução da produtividade do trabalho.
Outra possível explicação é que hoje o pobre recebe mais transferências do que no passado, e o chamado “salário de reserva” (o mínimo pelo que se aceita trabalhar) tenha se tornado mais alto.
Mas PB, sem ter ainda uma resposta segura à questão, crê mais no fator salário mínimo.
“Na verdade, de 2004 a 2014, a remuneração do trabalho [dos 10% mais pobres] aumenta e a taxa de ocupação cai, o que parece ser muito mais um efeito do salário mínimo do que de a pessoa não querer o emprego – parece mais um problema de demanda por trabalho do que de salário de reserva alto”, aponta o pesquisador.
No período pós 2014, com queda do salário real, a taxa de ocupação dos 10% mais pobres cai de forma ainda bem mais drástica.
Entre 2001 e 2021 houve também um enorme aumento da taxa de desemprego entre os mais pobres, não acompanhada pelo mesmo indicador dos mais ricos.
Entre os 5% mais pobres, a taxa de desemprego em 2021 foi de 77% (contra 14% para a população como um todo), número que vai a 90% se incluir os desencorajados e os que trabalham menos horas do que gostariam. Para a população em geral, o mesmo indicador em 2021 foi de 28%.
A taxa de desemprego, por envolver por definição os que querem trabalhar, também é um indicativo de que a crise de trabalho entre os pobres é mais uma questão de demanda por trabalho do que de oferta de trabalhadores.
“A gente pode estar sofrendo as consequências do aumento desenfreado do salário mínimo, que foi tão bom para reduzir a pobreza de 2004 e 2014”, diz o pesquisador.
Um terceiro componente mencionado por PB seria ligado ao que chama de “estratégias de sobrevivência” dos mais pobres, ligadas a trabalhos extremamente precários.
“Durante a recessão e principalmente durante a pandemia, a gente aprendeu a viver sem esse trabalho precário”, diz o pesquisador, referindo-se a quem consome o produto (basicamente serviços) desse tipo de ocupação.
Ele exemplifica com o fato de que novas gerações consideram uma empregada doméstica 24 horas por dia em casa como algo intrusivo. E há também uma série de serviços ineficientes que as empresas costumavam contratar até perceberem que não precisavam mais deles.
Já mudanças tecnológicas como iFood e Uber conseguem fazer com menos gente um volume de serviços cuja realização antes era disseminada entre um número muito maior de ocupados menos eficientes.
“Estratégias de sobrevivência que os pobres levaram 30 anos para criar e pelas quais davam uma pequena mordida na economia brasileira desapareceram, e eles têm muito mais dificuldade de abocanhar alguma renda porque não conseguiram substituir as estratégias antigas por estratégias novas”, acrescenta PB.
Para o economista, quando se analisa a tendência histórica, “estamos trocando o pobre que trabalhava 60 horas por semana todas as semanas do ano, com renda muito baixa, pelo pobre que não tem trabalho”.
Na sua visão, já era difícil acabar com a pobreza quando a pessoa trabalhava, mas o trabalho dela era pouco produtivo – a solução era melhorar a produtividade do trabalho desse indivíduo.
“Agora você tem alguém que não está trabalhando há dois anos, como vai fazer a inserção dele no mundo do trabalho? – fica muito mais difícil”, conclui o pesquisador.
E quanto mais tempo passar, mais grave se torna o problema, porque os mais pobres se desconectam cada vez mais do mundo do trabalho.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast ([email protected])
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/10/2022, quinta-feira.”
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Romero Rodrigues e a cristalização do inexistente

O deputado Romero Rodrigues (Podemos) está se saindo o político mais “maneiro” da Paraíba, na conotação, conforme a gíria, daquele que se move com leveza demasiada. Poder-se-ia defini-lo também como “mineirinho” ou “malandrinho”, num sentido não pejorativo.
Agora, do domingo para a segunda-feira, Romero foi destaque nos portais e blogs da Paraíba por ter deixado se fotografar ao lado do prefeito de Campina Grande, Bruno Cunha Lima, e do deputado Ruy Carneiro. Todos sorridentes.
Ocorre que, na semana passada, a foto que virou destaque era com o governador João Azevedo e secretários da área política do governo. A imagem também serviu para se festejar o quase concretizado rompimento de Romero com o prefeito Bruno e a família Cunha Lima.
Nas duas ocasiões, Romero não disse nada. Apenas sorriu, meio marotamente.
O ano tem sido assim. O deputado Romero não diz quase nada, não decide nada, não se posiciona em nada, e, ainda assim, é um dos grandes destaques na imprensa e motivo de muitas conversas, discussões e articulações políticas, que nunca se formalizam.
Especula-se sobre insatisfação em relação ao prefeito Bruno Cunha Lima, mas ele não nega nem confirma.
Especula-se sobre conversas suas com o governador João Azevedo, mas, igualmente, ele não nega nem confirma.
Dá-se, vez por outra, como absolutamente certa sua candidatura a prefeito em 2024, mas ele não nega nem confirma.
Dá-se, outra hora, como absolutamente certa sua permanência no grupo Cunha Lima com o consequente apoio à reeleição do prefeito Bruno Cunha Lima, mas, impassível, ele não nega nem confirma.
Embora cultive a maior indecisão do mundo, provavelmente de caso pensado, planejadamente, Romero se transformou em fenômeno político.
Pesquisa recente (contratada e divulgada pelo MaisPB), o coloca em situação mais do que confortável. Lidera, com folga, em qualquer cenário, podendo ser, inclusive, candidato em faixa própria (fora do grupo Cunha Lima e da oposição) e com perspectiva de vitória.
Com isso, se quiser, reúne condições de impor quase todas as condições para participar, por cima, das eleições em Campina Grande.
Lógico que não há nada definitivo nem imutável em política e a maré de Romero pode mudar repentinamente. Vale o alerta que os mais antigos já diziam que, às vezes, a esperteza come o esperto. Contudo, os ventos que sopram em Campina Grande são na direção de uma possível consagração da cristalização do inexistente, que é a consolidação elevadamente positiva de uma imagem fundada na ausência de posicionamentos. Romero é um fenômeno que precisa ser estudado, pois se trata de uma heterodoxa história de marketing político. Isso para nós, mortais complicados, porque lá na serra, com certeza, vão dizer simplesmente que se trata de “coisa de Campina”.
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Contestado por ‘ex-aliados’, Nilvan precisa provar que voto bolsonarista também é dele

O comunicador Nilvan Ferreira não precisa provar nada quando o assunto é o domínio discursivo em frente a câmaras e microfones. Por muitos anos, consolidou-se como fenômeno na imprensa paraibana. A mesma coisa não pode ser dita quando o assunto diz respeito à política eleitoral. Com o nome colocado para a disputa da prefeitura de João Pessoa, no ano que vem, mas preterido por ex-aliados, ele vive incertezas sobre a adesão de pelo menos parte do bolsonarismo à sua candidatura.
O comunicador disputará, caso mantenha o projeto pessoal, a terceira eleição seguida. Nas duas primeiras, apresentou bom desempenho, apesar de não ter conseguido se eleger. Em 2020, chegou a ir para o segundo turno com o prefeito Cícero Lucena (PP). Na época, vestia as cores do MDB. No ano passado, já no PL, disputou o governo do Estado, mas não conseguiu ir para o segundo turno. Apesar disso, com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro, conseguiu tirar das urnas um número animador: foi o mais votado em João Pessoa, com 131.187 votos.
Esta marca é importante e seria de grande valia no pleito do ano que vem. Acontece que o PL decidiu investir na candidatura do ex-ministro Marcelo Queiroga (Saúde). Isso, vale ressaltar, não pode ser considerado o fim da linha para Nilvan, porque ele pode ir para qualquer outro partido e sair candidato. Mas é importante que se diga que essa liberdade, por si só, não aponta para uma certeza de sucesso eleitoral. Isso porque na lógica bolsonarista o pré-candidato sai, mas tem dificuldades para levar consigo o voto dos eleitores do grupo.
Isso, com algum exagero, foi dito pelo ex-ministro Gilson Machado (Turismo). De passagem por João Pessoa, nesta semana, ele mandou Nilvan e o deputado federal Cabo Gilberto baixarem o facho. Alega que ambos não têm votos e que os sufrágios recebidos por eles em eleições passadas foram um tipo de concessão do ex-presidente. Nilvan discorda, alegando que Machado errou o alvo, porque deveria ter criticado a esquerda, não um nome da direita. Lembra ainda que já disputou eleições fora do PL. Ele tem razão em parte, mas não dá para subestimar o que foi dito pelo ex-ministro.
Pegando o argumento da experiência eleitoral, é verdade que Nilvan disputou a eleição de 2020 pelo MDB e não pelo PL. Mas é verdade também que naquele momento ele também buscou explorar a “bolha bolsonarista”. Não foi uma eleição de Nilvan só por Nilvan. Quem puxar pela memória, vai lembrar que naquele ano ele alinhou a plataforma de campanha ao pensamento do ex-presidente. Criticava as medidas de isolamento social e buscava o voto do eleitor conservador. No ano passado, essa busca foi apenas mais clara, porque estavam no mesmo partido.
Acontece que para o ano que vem, a vaga de candidato bolsonarista foi preenchida por Queiroga. A história recente mostra que candidatos alinhados com lideranças populistas consolidadas e altamente ideológicas, tendem a perder tração quando deixam este nicho. Os ex-deputados federais Julian Lemos (PB) e Joice Hasselmann (SP) mostram isso em relação ao rompimento com Jair Bolsonaro. Ambos foram derrotados após abandonar a “igrejinha”.
Com Nilvan, lógico, pode acontecer coisa parecida, mesmo sendo ele um fenômeno midiático. Longe de mim concordar em gênero, número e grau com Gilson Machado e suas tradicionais fancarronices, mas também não dá para desconsiderar completamente o que diz a história.
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Delação pressionada: as táticas questionáveis por trás das prisões no caso do padre Egídio

Por Roberto Nascimento – Advogado Criminalista
A prisão do padre Egídio de Carvalho Neto, ex-diretor do Hospital Padre Zé, na Paraíba, marca mais um capítulo em uma narrativa complexa de investigações envolvendo desvios de verbas e possíveis irregularidades na gestão da instituição de saúde. Contudo, é imperativo analisar criticamente esse desdobramento à luz de princípios fundamentais, como o de presunção de inocência, a busca pela verdade real e a garantia de um processo justo.
Em um primeiro olhar, é notável a semelhança entre a prisão do padre Egídio e a dinâmica observada em casos emblemáticos da Operação Lava Jato. A estratégia de utilizar a prisão como meio de pressionar indivíduos a colaborarem por meio da delação premiada é uma característica que levanta questionamentos sobre os métodos empregados pelo sistema judiciário brasileiro. Embora a delação premiada seja uma ferramenta legítima para a obtenção de informações relevantes em investigações, sua utilização deve ser pautada por critérios rígidos e garantias de que não haja abusos ou coações.
A própria história recente evidencia casos nos quais a prisão preventiva foi aplicada como uma estratégia para forçar acordos de colaboração. A fragilidade desse modelo é evidenciada quando a pressão exercida sobre o acusado torna-se excessiva, comprometendo a voluntariedade do seu depoimento. Portanto, é fundamental que a prisão preventiva seja aplicada com extrema cautela, respeitando os direitos individuais e assegurando que o investigado tenha condições de apresentar sua defesa de forma justa e equitativa.
Outro ponto relevante a ser considerado é a exposição midiática do caso. A divulgação massiva de informações sobre a prisão do padre Egídio, muitas vezes antes mesmo de uma apreciação judicial definitiva, traz à tona a discussão sobre a influência da mídia no curso das investigações. O vazamento privilegiado de informações para programas televisivos, como o Fantástico, contribui para a construção de narrativas pré-concebidas, impactando a opinião pública e, por vezes, comprometendo a imparcialidade do processo.
A exposição midiática excessiva pode criar um ambiente propício para julgamentos precipitados por parte da sociedade, influenciando a percepção sobre a culpabilidade do acusado antes mesmo de uma análise aprofundada dos fatos. Essa dinâmica pode gerar uma pressão social que, por sua vez, exerce influência sobre o próprio sistema judiciário, criando um ciclo potencialmente prejudicial ao princípio da presunção de inocência.
No caso específico do padre Egídio, a pressão midiática pode intensificar o impacto das acusações, mesmo que a culpabilidade do acusado ainda não tenha sido definitivamente estabelecida. É crucial lembrar que a prisão preventiva não equivale a uma condenação, e a presunção de inocência deve ser mantida até que o devido processo legal seja concluído.
A relação entre o sistema judiciário e a mídia é uma questão sensível, e sua abordagem inadequada pode comprometer a integridade do processo judicial. A transparência e a responsabilidade na divulgação de informações são princípios fundamentais para evitar que a exposição midiática prejudique a imparcialidade do julgamento e o direito do acusado a um processo justo.
Outro aspecto que merece atenção é o vazamento privilegiado de informações para programas de televisão. Esse fenômeno, que se tornou recorrente em casos de grande repercussão, levanta questionamentos éticos sobre a conduta de profissionais envolvidos na investigação. A divulgação seletiva de dados para determinados veículos de comunicação pode criar uma narrativa distorcida, comprometendo a equidade no tratamento do caso.
A confiança da sociedade no sistema judiciário depende da observância rigorosa dos princípios éticos e legais que regem a condução das investigações. Quando ocorre o vazamento seletivo de informações, há o risco de comprometer a imparcialidade do processo e a confiança da população nas instituições responsáveis pela aplicação da justiça.
Nesse contexto, é essencial que a condução das investigações e o julgamento do padre Egídio sigam estritamente os princípios do devido processo legal, assegurando o direito à defesa, evitando pressões indevidas e garantindo a transparência nas informações divulgadas à mídia.
A prisão preventiva do padre Egídio, se fundamentada em evidências robustas e respeitando os princípios jurídicos, pode contribuir para a elucidação dos fatos e o avanço das investigações. No entanto, é imprescindível que esse procedimento não se transforme em uma ferramenta de coação para obtenção de delações premiadas, respeitando sempre a integridade do processo judicial.
A sociedade deve permanecer vigilante, cobrando transparência, imparcialidade e respeito aos direitos individuais. Somente através do rigoroso cumprimento dos princípios éticos e legais é possível assegurar a justiça e a confiança no sistema judiciário brasileiro. O desafio está em encontrar o equilíbrio entre a busca pela verdade e a preservação dos direitos fundamentais, construindo uma sociedade que repudia a impunidade, mas também protege os princípios democráticos que a sustentam.