* Por Nonato Guedes
O ex-governador da Paraíba, Ricardo Coutinho, demonstra ter como principal guru político no país o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja trajetória sempre enalteceu e com cuja candidatura a presidente da República em 2022 está alinhadíssimo, tendo insistido muito até conseguir ser readmitido nos quadros do Partido dos Trabalhadores, após tumultuada passagem pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Mas, ao contrário de Lula, que após cumprir prisão de 580 dias ganhou ao mesmo tempo a liberdade e a elegibilidade, com direito a disputar o pleito vindouro, Ricardo vive uma situação cada vez mais complicada. Pretende disputar o Senado mas está inelegível. As acusações contra ele não param, no âmbito da Operação Calvário, que desvendou uma organização criminosa focada no desvio de verbas de setores como Saúde e Educação na Paraíba. Lula, enquanto isso, em muitos cenários que se repetem, é franco favorito para ganhar as eleições presidenciais.
No final de outubro, o Ministério Público protocolou a vigésima terceira denúncia na esfera da Calvário, referente, desta vez, a um suposto esquema de pagamento de propina e lavagem de dinheiro através de contratos firmados entre o Estado e empresas que forneciam produtos agrícolas, com favorecimento pessoal para o ex-governador e pessoas próximas. Os elementos coligidos na apuração do Ministério Público sinalizam para a institucionalização de práticas de corrupção massiva e sistêmica na alçada da gestão pública estadual na Paraíba, inquinando diretamente o ex-governador e seus apadrinhados referidos nos autos. A defesa do ex-governador paraibano, interpelada pela imprensa, esquivou-se de comentar fatos trazidos a lume a pretexto de que não teve acesso ao novo processo, resguardando-se, então, para uma fala no momento oportuno.
Além de complicar cada vez mais a situação de Ricardo para disputas eleitorais, o rosário de denúncias que tem sido desfiado contra ele só o incrimina, aparentemente, em proporções graves, e o que causa espanto à opinião pública é que não há um esforço consistente da sua parte para desmontar as acusações e comprovar a sua inocência. É como se o ex-governador ainda estivesse aguardando fatos novos que possam eclodir, com dimensões inimagináveis par a opinião pública. Em termos concretos, na sua defesa propriamente dita, o petista tem se limitado a falar em orquestração de “forças poderosas” que teriam interesse em prejudicar a sua liderança. Dá a entender que chegará o tempo em que essa tal “orquestração” será desmoralizada. Infelizmente, não é esta a resposta que a sociedade aguarda, por mais que advogados do ex-governador estejam atuando nos bastidores para impor uma reviravolta aos casos até aqui enunciados com repercussão.
Ricardo Coutinho tornou-se personagem relevante na cena política paraibana e nacional por posições independentes assumidas em relação a governos, quando militava na oposição, e por ter imprimido métodos de gestão, quer na prefeitura de João Pessoa, quer no governo do Estado, que pareceram “revolucionários” para segmentos da população porque implicavam, teoricamente, na extinção de vícios ou de privilégios que estavam enquistados na máquina pública, como resultado de décadas seguidas de dominação por parte de grupos políticos tradicionais revezados no palácio pelo voto. O PT foi a sigla escolhida por Ricardo como cobaia para levá-lo ao poder e aí implementar modelos que, conforme ele jurou em praça pública, responderiam por uma “nova Paraíba”, progressista, democrática, vanguardista. Vitoriosa até as eleições de 2018, a biografia de Ricardo não resistiu a poucos meses de ostracismo – e logo irromperam acontecimentos que até então eram desconhecidos do grande público.
O perfil do ex-governador foi abalado sensivelmente em virtude do desgaste das acusações, pela própria gravidade de que se revestiam, seguida da ausência de esclarecimentos mais conclusivos ou elucidativos a respeito de episódios comprometedores detectados em operações policiais. O ex-líder dos “girassóis socialistas” teve uma prévia do seu declínio nas eleições municipais de 2020, as primeiras que encarou após concluir sua passagem pelo poder estadual. Na condição de candidato a prefeito de João Pessoa, concorrendo pelo PSB, mas com o apoio declarado do ex-presidente Lula, que refugou candidatura própria petista do deputado Anísio Maia, Ricardo colheu resultado pífio, medíocre para quem acreditava ter saído consagrado de dois mandatos consecutivos como governador do Estado. Não foi para o segundo turno, confundiu mais do que explicou, acabou mesmo tumultuando o processo de disputa, com número recorde de candidatos. Foi um teste político desmoralizante para ele.
Ricardo Coutinho está fechando o ano de 2021 com flagrante desequilíbrio na contabilidade do seu prestígio político-pessoal. O gesto do ex-presidente Lula de conduzir Ricardo de volta aos quadros do PT foi uma concessão pessoal que não acrescentou nada à trajetória do ex-governador em termos de votos. A sorte de Ricardo depende mais do seu convencimento da própria inocência perante paraibanos e paraibanas do que de gestos aleatórios, mesmo quando partem de figuras como o ex-presidente Lula, que no caminho inverso vem logrando readquirir prestígio e intenções de voto junto a parcelas do eleitorado nacional. O que se diz nos meios políticos paraibanos é que se não for materializada até o primeiro semestre do próximo ano uma reviravolta espetacular, jurídica, no caminho de Ricardo, dificilmente ele conseguirá a reabilitação política que tanto anseia. Nesse caso, 2022 pode simbolizar o canto do cisne para uma figura que, se tivesse trilhado rotas mais éticas, ainda teria papel de destaque na cena política-partidária do seu Estado de origem.